Entre as incertezas sobre SAF e clube associativo, o Vasco entendeu que precisava investir no departamento de scout. Nos últimos meses, a diretoria estabeleceu novos processos com diferentes etapas e contratou outros profissionais, incluindo Daniel de Brito, que atualmente lidera essa busca por reforços dentro de um perfil pré-definido.
Mas você sabe como funciona o scout? O ge conversou com o chefe do setor para entender o processo do Vasco para ser criativo e buscar alternativas no mercado.
Daniel trabalhava no Flamengo desde 2017 quando recebeu um chamado do Vasco em agosto de 2024. Foi o chefe dele, ainda no início da trajetória no Rubro-Negro como analista de desempenho da base, que identificou o perfil para observação de atletas. Por isso, Daniel “subiu” para o profissional e participou do processo da equipe rubro-negra nos últimos anos. Quando o clube de São Januário chegou com a ideia de coordenar o setor, ele não pensou duas vezes.
– No nosso grupo, eu represento o departamento de scout, tem nosso diretor técnico [Felipe Maestro], o diretor executivo [Marcelo Sant'Ana] e a comissão técnica. Nós sentamos e determinamos possíveis carências e, mais próximo da janela, as posições que vamos atacar. Quais as mais diretas e determinamos jogadores. A escolha do perfil e dos atletas vem dessa reunião. O presidente [Pedrinho] participa de tudo, mas respeita muito. Aqui no Vasco os processos são respeitados e tudo passa por esse grupo para ser decidido de maneira conjunta – explicou Daniel.
O scout do Vasco funciona, hoje, com cinco pessoas, entre elas um analista de dados contratado recentemente. Essa é uma das mudanças que ocorreram no setor nos últimos meses.
– O dia a dia, basicamente, é a observação, o monitoramento dos campeonatos, clubes específicos, buscando sempre aquelas competições nas quais a gente acredita que o Vasco possa alcançar algum tipo de negociação. Observação, criação de relatórios, pesquisas, busca daqueles atletas que estão em fim de contrato e sejam uma boa oportunidade. Procuramos sempre engordar e atualizar o nosso banco de dados. A gente monitora também os atletas emprestados para saber o desempenho deles, para, de repente, uma possível volta ou não. É um trabalho amplo – contou Daniel.
O Vasco entendeu que precisava investir em tecnologia para potencializar o setor de scout. Além do foco maior no entendimento e tratamento dos dados, deu maior atenção às ferramentas utilizadas pelo departamento. Essas plataformas são Wyscout, Besoccerpro e Noisefeed.
– O clube tem procurado investir em ferramentas e criar novos processos, investindo na qualificação dos profissionais, nas condições de trabalho. Os clubes entenderam a real necessidade de um departamento de scout, a ver a real grandeza de ter esse setor bom e funcionando – analisou Daniel.
Mas há contratações que não passam pelo scout do clube? Segundo Daniel, não com frequência. As indicações podem chegar de todas as partes, mas há uma reunião envolvendo os setores para tratar dos nomes e expectativas na montagem do elenco. Com a chegada de Fernando Diniz, que costuma colocar diversos nomes no radar em seus trabalhos, o processo deve se manter. A palavra final passa por diretor de futebol, treinador e, claro, presidente.
– Nosso setor é um gerador de informação para auxiliar quem vai tomar a decisão. O clube, é claro, os diretores, comissão técnica, têm autonomia para fechar a contratação. Não significa que nós determinamos quem tem de contratar. Claro que nós temos a nossa opinião como setor, mas a opinião final, realmente, faz parte mais da diretoria. Eles têm livre acesso, de repente, a assinar com um atleta que a gente não aprovou. Mas é uma coisa que não costuma acontecer no Vasco. Respeitam-se processos e trabalhos feitos. Eu tenho certeza de que isso, no futuro, vai ajudar muito o clube.
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Uma das mudanças depois da saída da 777 Partners, em maio de 2024, é um setor de scout mais influente dentro das decisões do futebol. Com a SAF, o departamento de mercado era menor e dividia as funções com o scout da empresa norte-americana, que tinha a palavra final. A exceção eram contratações que não demandavam muito investimento. Nesses casos, o Vasco tinha autonomia pra fechar sem o aval de fora. Os scouts da 777 também faziam o papel inverso de sugerir contratações, como no caso de Galdames.
Se houve desencontros antes, a sensação é de que, atualmente, as coisas estão mais alinhadas. Pedrinho e a diretoria entregaram um perfil com o diagnóstico de atletas que entendem "servir para o Vasco", como definiu o presidente. Isso envolve não só o modelo de jogo, mas também aquilo que é compatível com o clube.
– O perfil, basicamente, são características dos atletas por posições através de estudos e observações daqueles atletas que deram certo no clube. Um exemplo, um lateral, o Felipe, que foi vitorioso. Quais características que deram certo nele e a gente pode trazer hoje para o Vasco? Buscamos o DNA do clube. É um estudo técnico e de dados de jogadores vitoriosos em cada posição, buscando pegar essas características para trazer aos dias de hoje. Não é um trabalho fácil, foram atletas que fizeram história. Mas faz parte do nosso trabalho e procuramos buscar – afirmou.
Daniel ainda não estava no Vasco quando a 777 comandava a operação do futebol. O entendimento das grandes diferenças do clube nos dois momentos é o investimento em tecnologia. Dos cinco nomes que trabalhavam no departamento antes, três saíram, mas dois seguem na equipe.
– Foi identificada a necessidade de um investimento em tecnologias, ferramentas específicas, criação de processos... para deixar um legado para o clube. Se amanhã, por algum motivo, eu saio do clube, o Vasco tem tudo o que foi produzido pelo setor. Foi uma coisa de que senti falta quando cheguei. Tínhamos uma ferramenta ou outra, mas faltou algo que acompanhe os avanços, uma ferramenta específica de dados que esteja atualizada. Agora temos uma plataforma para criar nossos relatórios e processos, criando um banco de dados que ficará para o Vasco.
Na primeira janela de 2025, o Vasco contratou oito reforços, desembolsando 7,5 milhões de euros (cerca de R$ 45,6 milhões na cotação da época da janela) - a janela de verão mais barata desde a chegada da SAF no início de 2023.
Garré, Nuno Moreira e Loide Augusto foram os jogadores nos quais o clube precisou investir no pagamento de direitos federativos para tirá-los de seus clubes anteriores. Todos assinaram contrato até dezembro de 2027. Os outros cinco chegaram sem custos e com vínculo em definitivo: Tchê Tchê, Daniel Fuzato, Lucas Oliveira, Lucas Freitas e Maurício Lemos.
– Logo na minha chegada, o clube criou características e perfis de atletas por posição. Nosso trabalho é se dividir em duas fases: no primeiro momento, a gente busca observar os campeonatos, analisar os jogos, sem um direcionamento específico. Atentos às características e perfis que nos foram passados, mas aos que se destacam e vendo o maior número possível de jogos. No segundo momento, mais próximo à janela, atacamos aquelas posições que nos foram passadas depois de uma reunião com comissão técnica, diretoria. Essa segunda parte é mais direcionada – explicou Daniel de Brito.
– As métricas vão muito de acordo com aquilo a que estamos atentos. Buscando identificar aqueles atletas que se destacaram nos últimos campeonatos, entendendo o que os levou a se destacar. Tem observação técnica e observação de dados. Não tem uma métrica específica, procuramos basicamente perfil e característica. Sabemos o que é desejado e, aí sim, vemos se vai encaixar dentro daquilo que o clube pode negociar – completou.
O trabalho com a janela de transferências em andamento é bem diferente daquele feito no restante do ano. Em dias “normais”, o Vasco aproveita para fazer observação e monitoramentos mais gerais, engrossar o banco de dados. Quando a janela se aproxima, o grupo começa a focar nas questões mais individuais. Quando as contratações ficam liberadas, vira “loucura”, como define Daniel.
– Não paramos de fazer as avaliações individuais, mas chegam também muitas indicações e oportunidades de última hora. Às vezes é um jogador que a gente imaginava que não sairia, temos contato com o empresário e pode acontecer. Então, sentamos e fazemos a avaliação. Muitas vezes a gente já tem o material até formado do atleta, mas fazemos mesmo assim uma avaliação individual e atualização do banco de dados. Temos uma lista final da última janela que é atualizada. Fora da janela o monitoramento é mais geral, e dentro, mais específico.
Engana-se quem acha que o trabalho acontece em horários certos e apenas dentro do CT. Há uma rotina construída pelo departamento de observações de jogos, viagens para acompanhar campeonatos ou jogadores in loco, o que é considerado muito importante para a avaliação final. O lazer normal de quem gosta de futebol, de assistir a uma partida, acaba se tornando trabalho para quem está envolvido com scout.
– Costumamos dizer que o nosso trabalho aqui não para, porque é muita coisa para se observar.
Como é o passo a passo das contratações do Vasco
Passo 1: identificação
Na primeira fase do trabalho, os profissionais do scout se dividem entre os mais diversos campeonatos e fazem um monitoramento. A ideia é ter uma observação geral, tentando ficar ligados ao maior número possível de jogos para engordar o banco de dados. O destaque pode ter um atleta que arrebentou em uma partida ou alguém que tenha demonstrado as características que o clube está buscando.
Passo 2: determinação dos atletas-alvo
Com as observações, o clube começa a fazer um filtro para determinar quais jogadores ou posições vão ser os alvos para a janela que vem a seguir. Os nomes podem surgir tanto do departamento de scout como de fontes externas, treinador ou diretoria.
Passo 3: ataque aos alvos
Mais perto da janela de transferências, o clube ataca de maneira individual aqueles jogadores pretendidos. Há observações das partidas específicas daquele atleta, com um determinado número de jogos a serem assistidos para ter um relatório mais variado e completo. Por exemplo, sobre o rendimento atuando dentro de casa, fora, contra times de alto ou baixo nível. O objetivo aqui é criar o perfil do atleta para ter o parecer final.
É nesta fase também que Daniel de Brito entra em contato com agentes e estafe para começar a entender os valores envolvidos naquela negociação.
Passo 4: prateleiras
As informações coletadas pelo scout agora se unem com o que a análise de dados vai trazer. Os dois departamentos conversam para bater aquelas avaliações mais subjetivas e técnicas com os números mais frios. Com a ficha final pronta, os jogadores são colocados em “prateleiras”.
Passo 5: reuniões
Com tudo em mãos, o scout vai para a reunião ao lado da comissão técnica e da diretoria para definir as posições que o Vasco vai atacar no mercado. Sabendo desses alvos, Daniel de Brito abre o banco de dados com a lista final dos atletas e indica os jogadores que acredita que podem acrescentar ao elenco.
Passo 6: negociação
A etapa final fica nas mãos da diretoria, que tem a missão de, com os alvos definidos, abrir as negociações com cada um dos atletas.
O ge faz uma série de reportagens sobre os departamentos de scouts dos clubes do Rio. Antes do Vasco, reportagem mostraram como funcionam as áreas no Flamengo e no Fluminense. O Botafogo foi procurado e se recusou a falar sobre o tema.