Examinar as diferenças atuais entre Flamengo e Vasco nos leva para fora de campo. É até possível debater questões táticas que levaram os vascaínos a serem tão dominados no primeiro tempo, limitados a defender e buscar bolas longas. Claro que, como mostrou a parte inicial do segundo tempo, era possível propor um jogo um pouco mais disputado. No entanto, há etapas na vida dos clubes em que o campo é o mero reflexo da realidade econômica e administrativa: e, neste aspecto, os dois rivais atravessam fases opostas. Não pode ser coincidência que, dos 30 últimos confrontos, os vascaínos venceram apenas dois. E perderam 17. De um lado está um clube estruturado e que supera, a cada ano, a casa do R$ 1 bilhão em receitas. Do outro, um Vasco em longa e dura transição: após retomar o controle da SAF que gere seu futebol, precisa urgentemente de novos investidores.
Voltando ao campo, se há algo que caracteriza este Flamengo de Filipe Luís, é a capacidade fazer da pressão sobre os adversários a base para controlar partidas. No primeiro tempo, foram tantos os chutes longos de Léo Jardim ou dos defensores vascaínos buscando a disputa aérea de Vegetti, que ficara a impressão de se tratar de um plano: no lugar de enfrentar a pressão do Flamengo e correr o risco de sofrer um desarme na saída de bola, o Vasco “saltaria” tal pressão, buscando um jogo direto para se estabelecer no campo ofensivo. Após a partida, o técnico Fábio Carille deu a entender que não era a ideia, mas que as bolas longas resultaram da dificuldade de sair jogando.
O domínio do Flamengo foi imenso. Se não recuperava a bola no campo ofensivo, porque o Vasco optava por chutes longos, os rubro-negros construíam desde a defesa. O que fez deste mais um jogo para valorizar a capacidade de Danilo na saída de bola, na organização dos ataques a partir dos primeiros passes. Ele conduzia contra uma vigilância um tanto distante de Vegetti e Coutinho, até que a linha de meias do Vasco era atraída. Às costas, criava-se enorme espaço entre volantes e zagueiros, onde Arrascaeta e Plata se colocavam. A jogada se anunciou algumas vezes, até o uruguaio receber de Danilo e iniciar o lance do pênalti cobrado por Bruno Henrique.
Se era pobre a atuação do Vasco na primeira etapa, o Flamengo mostrava suas virtudes, mas também uma lacuna, o que é curioso num jogo de tanta imposição. Há muita coisa de positivo para dizer do Flamengo de Filipe Luís, do controle dos jogos ao elenco farto. Mas apesar de tal fartura, suficiente para credenciar os rubro-negros a brigarem por qualquer título no Brasil e no continente, há uma questão que não parece tão bem resolvida. O setor ofensivo tem uma coleção de pontas, ou pelo menos de jogadores que se sentem mais à vontade jogando pelos lados do campo. Fililpe Luís, em especial no período de ausência de Pedro, vem tentando adaptar jogadores para ocupar o centro do ataque. Bruno Henrique não é exatamente um centroavante, Plata tampouco tem sua melhor versão atuando pelo centro, assim como Michael, Luiz Araújo... O resultado é um Flamengo com mais domínio do que gol; ou mais volume do que contundência, especialmente contra rivais mais fechados.
Isso ajuda a explicar por que, num jogo em que foi tão dominante, chegou aos minutos finais com a diferença mínima no placar. O que colocava a partida em risco até Cebolinha acertar o chute do 2 a 0.
Antes disso, Carille tentou mudar o cenário no intervalo sem trocar jogadores. E conseguiu por alguns minutos. No lugar das bolas longas, fez o Vasco retomar o desenho de time que vinha tendo na temporada: Hugo Moura se juntou aos zagueiros na saída de bola, Matheus Carvalho ficou alguns passos à frente, os dois laterais avançavam e abriam campo, enquanto Coutinho, Zuccarello, Tche Tche e Vegetti se colocavam mais ao centro. O Flamengo demorou a reencontrar a forma de pressionar, os vascaínos invertiam bolas para seus laterais e, num destes cruzamentos, Vegetti acertou a trave.
Que o Flamengo tem, hoje, recursos muito mais fartos do que o Vasco, é um consenso. Mas quando Filipe Luís começou a fazer substituições tentando retomar um controle que escapara na parte inicial da segunda etapa, as entradas de Luiz Araujo e Everton Cebolinha mostravam a fartura rubro-negra naquilo que mais falta aos vascaínos hoje: a velocidade no ataque. E foi de Ceblinha o gol que fechou o placar do clássico.
Minutos antes, se Vegetti acerta a cabeçada numa das raras chances do Vasco, talvez os rubro-negros enxergassem no rival um raro recurso que hoje falta na equipe rubro-negra: o jogador que precisa de poucas bolas para encontrar um gol.
Filipe Luís interveio de duas formas para retomar controle. Com Léo Ortiz e Allan, tentou estabilizar a saída de bola de um time que por vezes é acelerado em excesso. Com Luiz Araújo e Cebolinha, renovou o fôlego e a capacidade de pressionar. Neste ponto, embora decisivo com bola, Arrascaeta talvez tenha a sua participação nos jogos administrada com muito cuidado ao longo da temporada.
É difícil negar que o 2 a 0 retrata a superioridade de um time sobre outro. Mas o envolvimento visto no Maracanã em boa parte do clássico retrata as diferenças, principalmente econômicas, que existem hoje entre um clube e outro.