Sport, Vitória, Cruzeiro, Botafogo, Sport, Santos, São Caetano, Vasco, Spartak, Sport, Santa Cruz, Central... A lista de clubes que o lateral-direito Russo passou é extensa. Com apenas 21 anos, chegou à seleção brasileira e fez parte de um lendário período em que a equipe brasileira contava com Ronaldo e Romário no ataque. Esteve próximo de disputar a Copa da França, num momento em que Zagallo procurava por um reserva para Cafu, mas ficou fora por lesão.
Russo é uma figura extrovertida e hoje fala com saudade do tempo de jogador. Ele não nega os arrependimentos e não tem medo de admitir que faria tudo diferente. Se por um lado as passadas largas e a velocidade pela lateral direita eram suas características mais marcantes dentro de campo, fora dele também chamava atenção pelos excessos.
“Se eu me cuidasse mais, iria mais longe, o corpo precisa de descanso. Eu não tinha ninguém para me dar conselho. Era novo, muito dinheiro, carro, era solteiro. Terminava jogo, ia para o sambinha, cerveja, e era o que eu gostava
— Russo
- Eu, com a cabeça de hoje, faria tudo ao contrário, me cuidaria mais, valorizaria mais a minha profissão. Faria diferente. Mas veja que, você sair de uma favela, onde nunca teve nada e, de uma hora pra outra, ver sua vida mudar tão rápido. Foi tudo muito rápido mesmo. Seleção, dinheiro, carro, fama. Era muito difícil lidar com isso. Hoje, essa molecada tem tudo. Pessoal que cuida da imagem do jogador, da vida financeira. Queria eu, no meu tempo, ter isso. Hoje, é tudo diferente.
- Eu mesmo, não tive ninguém pra me dar conselho, pelo contrário, encostava todo tipo de gente, pessoa boa, pessoa ruim.
Na verdade, até tinha. Russo lembra de um aviso muito importante do então técnico Emerson Leão.
- Ele falava: ‘Russo você é novo, e eu já fui novo. Já curti muito. Mas a gente tem que se cuidar. Você não é de ferro, não. Quando passar dos 30, você vai sentir. Foi dito e feito rapaz…. O que ele me falou, bateu.
Realmente, até os 30 anos, Russo teve uma carreira de alto nível. Jogou por grandes equipes, sempre disputando a Série A, chegou a uma final de Libertadores e, claro, esteve na Seleção.
E é justamente por aqui, com a amarelinha, que essa história começa.
Salvador, Bahia.
No estacionamento do Barradão, Russo aguardava dentro do carro. De longe, observava uma movimentação estranha mais à frente. Não era comum aquela quantidade de repórteres num dia normal de treino do Vitória. Sem saber do que se tratava e com medo que fosse alguma bronca, decidiu esperar. Só que a hora do início do treino estava se aproximando. “Tenho que ir”.
Russo saiu do carro e, com o material de treino na mão, se dirigiu para a entrada dos jogadores. Quando se deu conta, estava todo mundo em cima dele. A imprensa estava ali para entrevistar a surpresa da convocação do técnico Zagallo para a Seleção, que faria um amistoso contra o México, nos Estados Unidos.
Mesmo com tudo aquilo, ainda foi difícil acreditar que tinha realmente sido chamado para a Seleção.
- Eu não acreditava que tinha sido convocado. Só acreditei à noite, quando passou no Jornal Nacional. Foi uma alegria que não tem tamanho.
Na época, Russo tinha 21 anos e havia acabado de chegar ao Vitória. Apenas dois anos antes, jogava na várzea quando foi observado pelo técnico Cauly, que o levou para o Sport. Um rápido teste e o olhar experiente do então treinador da base, Nereu Pinheiro, responsável por revelar alguns dos principais nomes do clube na década de 1990, como Adriano, Leonardo e Juninho Pernambucano, detectou um jogador com potencial. Aprovado, passou a treinar com os juniores.
O futebol nos anos 90
Em 1996, estreou como profissional no Sport sob o comando de Hélio dos Anjos. De cara, um clássico com o Santa Cruz. Na época, ainda saía de casa, na comunidade chamada Detran, e pegava um ônibus para treinar todos os dias na Ilha do Retiro. A passagem dos juniores para o time de cima valeu um upgrade no salário.
- Eu ganhava ajuda de custo de R$ 75 e o vale transporte. Quando fui para o profissional, já jogando como titular no Pernambucano, o Coronel Adelson (Wanderley, dirigente do Sport) disse que aumentar o meu salário: de R$ 75 para R$ 350. Estava bom. Eu joguei um ano todinho com esse salário.
Foi um ano incrível para Russo, fazendo parte de um time com nomes importantes na história do Sport, como Adriano, Chico Monte Alegre, Dedé, Dário, Chiquinho, Marcelo e Luís Müller. Foram campeões pernambucanos.
Essa mesma equipe jogou o Brasileiro da Série A, dando visibilidade para dois jogadores em especial: Russo e o meia Chiquinho. Ao fim da temporada, o Vitória foi atrás dos dois. O Valencia chegou a demonstrar interesse pelo jovem lateral, mas não houve acordo e a Bahia foi o destino de ambos para a temporada de 1997.
Russo garante que o Vitória queria mesmo Chiquinho, meia habilidoso, que aparecia mais nos jogos.
- Fui praticamente de graça, com Chiquinho. Eles queriam mesmo era ele.
Russo teve uma carreira meteórica. A convocação para a Seleção veio após somente quatro meses no Vitória. No elenco do Brasil, que vivia o ciclo da Copa da França, encontrou estrelas de nível mundial. No amistoso com o México, ficou no banco e não chegou a entrar. Mas no período de treinos para aquela partida, esteve com nomes como Cafu, Roberto Carlos e Leonardo, além da dupla Romário e Ronaldo.
Aquele foi justamente o curto espaço da dupla Ro-Ro na Seleção. Os craques Romário e Ronaldo jogaram apenas 19 vezes juntos pela Seleção.
Reserva de Cafu
O problema era conseguir jogar. Reserva na Copa de 1994, Cafu havia se consolidado como titular. A busca de Zagallo, na época, era por um reserva para ele. Zé Maria era o nome mais chamado, mas enfrentou uma série de lesões, levando o treinador a procurar por alternativas. Uma delas foi Russo.
- Na Seleção, acho que faltou mais oportunidade. Fiquei na reserva de Cafu, joguei pouco. Ele não saía do time e era difícil de machucar, além de ser muito dedicado nos treinos - lembra.
Além de amistosos, Russo disputou duas competições oficiais pela Seleção, entre 1997 e 1998: a primeira edição da Copa das Confederações, da qual o Brasil foi campeão, e a Copa Ouro. O lateral viveu a expectativa real de ir à Copa do Mundo da França.
"Os mais cotados para ir eram eu e Zé Maria. Ele se machucou, mas eu também. Eu tinha esperança. Fui para a Copa das Confederações, Copa Ouro. Eu falei: 'A próxima é a Copa'".
Mas não deu. Em 1998, Russo havia se transferido para o Cruzeiro. Seguia no radar do técnico Zagallo como opção para a lateral direita, mas sofreu uma lesão muscular no período da convocação. Flávio Conceição foi chamado como volante e lateral-direito, mas acabou cortado. Enfim, Zé Carlos, então no São Paulo, foi convocado e atuou na semifinal contra a Holanda, devido à suspensão de Cafu.
- Fiquei muito abatido, triste. Eu esperava ser chamado, era meu sonho.
- De fora a gente vê outra coisa. Muitos jogadores eu pensava que eram marrentos. Quando você convive com eles, a situação muda. Os caras foram gente boa comigo. O (Ronaldo) Fenômeno, o que tem de dinheiro tem de simplicidade. Romário também. Cara, na minha primeira convocação, contra o México, eu não dormi. Só no outro dia. Eu não acreditava que estava ali. Eu dizia: "Se eu tiver sonhando, não quero acordar". Era acostumado a ver os caras pela televisão. Você sair da favela e estar ali, do lados dos caras, do melhor do mundo. A ficha demorou a cair - conta Russo.
O fim do sonho
Tão rápido quanto veio, o sonho acabou. Ali, foi o ponto final das passagens de Russo pela Seleção. Russo não voltaria mais a ser chamado depois de 1998. Mas ainda jogou em alto nível durante um bom tempo, afinal, na época tinha apenas 23 anos. Foi titular em equipes emblemáticas, como o Sport de 1998 e 2000, esteve em momentos importantes como a final da Libertadores com o São Caetano, saiu do país pela primeira vez, mas foi derrotado pelo frio da Rússia e voltou tendo entrado em campo apenas duas vezes.
Depois que se aposentou, Russo voltou de vez para casa. Em Pernambuco, decidiu descansar. Chegou a arriscar um início de carreira de treinador, mas não deu seguimento. Há dois anos, porém, voltou a se inquietar. Deixou o Brasil e foi morar com a esposa em Portugal. Vive atualmente na cidade de Leiria, onde dá aulas para garotos junto com um amigo brasileiro, que também foi jogador. O sonho de ser técnico voltou e ele faz o curso para seguir a profissão.
- Foi um dos motivos de eu ter vindo para cá. Um dia desses, tava em casa com a esposa e disse a ela: bora morar em Portugal?! Então viemos há dois anos - brinca Russo.
Russo comenta como foi a passagem por cada clube na carreira:
Sport - 1998
Após a decepção de não ter ido à Copa, recuperado de lesão, Russo foi procurado pelo Sport. Era a hora de voltar, agora, como jogador top para fazer parte de um time fortíssimo.
- O nosso grupo era muito bom. A gente tinha time pra ser campeão brasileiro ali. Acho que quem acabou levando foi o Corinthians, na época, que também tinha um timaço. Perdemos para o Grêmio.
Embora tenha realmente feito um grande campeonato, o Sport passava por momento político conturbado. Na passagem para 1999, todo o time foi desfeito. Russo não conseguiu a transferência para a Europa e acabou acolhido novamente pelo Vitória.
Vitória - 1999
- O pessoal do Sport desfez o time todinho e eu aceitei voltar para o Vitória, que me fez uma proposta boa. Tinha botado na minha cabeça. Nessa volta, tenho que fazer um bom Brasileiro e depois ir pra Europa. E nós fomos bem no Brasileiro, tanto que tive várias propostas na época.
Botafogo - 1999
Uma vantajosa proposta atraiu Russo no segundo semestre de 1999. Não foi um bom ano e o lateral conta os bastidores daquele grupo.
- Botafogo? Ali foi muita picuinha. Sandro (ex-zagueiro) era nosso capitão, mas o pessoal lá achava que a faixa tinha que ficar com os caras do Rio. Era muita reunião, picuinha demais. Até que teve uma hora que Sandro apelou. Um dia, no vestiário, ele pegou a faixa e disse: "Tá aqui, ó, não sou mais capitão do Botafogo". Depois dali, o grupo rachou. Passamos o Brasileiro todo brigando pra não cair. A gente só escapou na última rodada, um jogo contra o Guarani se não me engano.
O Botafogo deveria ter sido rebaixado para a Série B naquele ano, mas foi salvo pelo "caso Sandro Hiroshi", uma disputa jurídica que tirou pontos do São Paulo e deu a Internacional e Botafogo. Como o rebaixamento era definido por média naquele campeonato, o Alvinegro se salvou e o Gama caiu para a Segundona.
Sport - 2000
- Quando você coloca a amarelinha, é valorizado né? Aumenta tudo. No início do Sport, eu ganhava ajuda de custo de R$ 75 e o vale transporte. Quando fui para o profissional, jogando de titular no Pernambucano todinho, o Coronel Adelson (Wanderley) disse que ia aumentar o salário. Foi de R$ 75 pra R$ 350. Tava bom. Dessa vez, cheguei bem mais valorizado. E aquele time era bom demais. Foi pentacampeão pernambucano, o professor Leão foi para a Seleção.
Santos - 2001
- Já fazia um tempo que o Santos estava querendo me levar. Pediram indicação a Leão, e ele disse: "pode levar, é bom jogador". Fui logo depois do Brasileiro. Eu esperava uma coisa do Sport, mas não aconteceu. No Santos a gente tinha um grupo muito forte, com Fábio Costa, que eu conhecia do Vitória, Léo, Elano, Renato, Dodô, Caio, Deivid. Fizemos uma semifinal com o Corinthians que foi como uma final antecipada. Quem passasse ali ia ser campeão, porque ia pegar o Botafogo-SP. A gente mesmo tinha metido cinco. Mas aí a gente perdeu, levou um gol de Ricardinho faltando 20 segundos…
São Caetano - 2002
- No Santos, o salário estava atrasado. O São Caetano me chamou, pagando salário em dia. Me disseram: 'aqui você vai ganhar três vezes mais'. Não pensei duas vezes, embora o Santos quisesse renovar. Imaginava que, se eu arrebentasse na Libertadores, ia pra Europa.
Russo chegou durante a disputa da Libertadores, mas logo conquistou a titularidade. Foi destaque do time em partidas emblemáticas como as oitavas de final com o Peñarol e, claro, a finalíssima com o Olímpia. o São Caetano venceu o primeiro jogo por 1 a 0 e perdeu o segundo por 2 a 1. Deixou o título escapar nos pênaltis.
- Nosso grupo era muito bom. Adãozinho, Somália, Adhemar, Silvio Luiz, Daniel, Dininho, Robert. Libertadores é mesmo uma competição diferente. É outra pegada.
Vasco - 2002
- Eu estava em Porto de Galinhas e meu empresário ligou dizendo: os caras querem você no Vasco. Antônio Lopes pediu tua contratação. Eu disse: 'eu vou'. O time estava ali do meio pra zona de rebaixamento e eu fiquei pensando: 'o negocio ali não tá muito bom não'. Eu já estava há uma semana sem treinar, mas me apresentei e pedi uma semana pra ficar em forma. O professor disse: 'o jogo é no domingo, com o Guarani. Treina essa semana toda'. Um dia antes do jogo, ele foi no meu quarto e me perguntou: 'você quer jogar o primeiro ou o segundo tempo?' Eu sei que ele me botou pra jogar e a gente ganhou de 1 a 0.
Não foi fácil, porém, conquistar a torcida do Vasco, que não tinha aprovado a contratação. Ou melhor, até que foi. Bastou um jogo em São Januário.
- Teve um lance. O cara roubou a bola de mim e a torcida começou a pegar no meu pé. Até que Valdir pegou uma bola e eu, do nada, disse: 'vou acompanhar esse jogada'. Não deu outra. Ele bateu cruzado e eu empatei o jogo. Depois, eu dei um cruzamento que não saiu tão bem, mas a bola bateu na grama e enganou o zagueiro. A bola sobrou pro Pet (Petkovic), que fez 2 a 1. Depois desse jogo, acabou. A torcida já estava gritando meu nome e eu nunca mais saí do time.
Spartak Moscou - 2003
- Eurico me chamou na sala dele e me disse que tinha fechado negócio com o Spartak. 'Se a imprensa perguntar a você, diga que eu liberei pra você fazer seu pé de meia'. (Risos) Eu não sabia de nada! Ele só mandou eu ir na sala dele e me avisou. Ainda treinei dois dias, não joguei com o São Paulo, me despedi e fui pra Moscou.
Russo, na Rússia. E, por ironia, esse russo estava mais acostumado com o calor do que com o frio.
- O que me matou lá foi o frio. Saí do Rio, com 38, 40 graus e cheguei lá com -15 graus. Isso me arrebentou.
Ex-Vasco, Russo relembra passagem pelo clube