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Conheça a Barreira, lugar que inspirou a música 'A Barreira vai virar baile'

Rio - Já virou um grande baile! A música 'A Barreira Vai Virar Baile' se tornou um sucesso nos últimos dias. A canção celebra o retorno do jogador Philippe Coutinho ao Vasco da Gama, mas também menciona em sua letra a Barreira. Mas afinal, que barreira é essa citada na música do Blogueirinho da Colina e MC Darlan?

A canção cita a comunidade da Barreira do Vasco, na Zona Norte do Rio, uma favela que nasceu na década de 1930 e foi povoada, em sua maioria, por trabalhadores que participaram da construção do estádio de São Januário, a casa do clube Cruz-maltino. Pela proximidade, os moradores da Barreira criaram um sentimento de pertencimento com o clube. Essa forte ligação, inclusive, se tornou um dos símbolos na luta contra o racismo e a elitização do futebol brasileiro.

Não por acaso, um dos autores de 'A Barreira Vai Virar Baile', MC Darlan, cresceu na comunidade e foi um dos responsáveis por colocá-la em evidência. O cantor reforça que falar da Barreira do Vasco é falar do clube, e vice-versa. "Se pararmos para pensar, o torcedor vascaíno passa a maior parte do tempo na Barreira do Vasco. Eu morei nessa comunidade, amo aquele lugar e considero ela a minha segunda casa. A relação é de amor e de paixão justamente por isso, por nos sentirmos em casa", explica o MC, que não esperava a grande repercussão da canção.

Estima-se que 19 mil pessoas morem na Barreira do Vasco. Em uma visita à comunidade, a reportagem do DIA conheceu histórias de moradores que são impactados diretamente com o clube, seja por causa da economia local, ou por participarem de projetos sociais. — e a Associação de Moradores da Barreira do Vasco tem um papel fundamental para que a engrenagem funcione perfeitamente. A instituição conseguiu levar para dentro da comunidade cerca de 15 projetos sociais que atendem todas as idades, desde a infância até as pessoas idosas e com comorbidades. Para os moradores, esse feito explica bem o motivo da Barreira do Vasco ser um lugar diferenciado.

Vânia Rodrigues da Silva, de 56 anos, ou Vaninha, como é carinhosamente conhecida por todos da comunidade, é presidente da associação há 19 anos. Neste período à frente do movimento, ela luta diariamente para proporcionar experiências marcantes para as crianças, oportunidades aos jovens e bem-estar aos idosos. Atualmente, a comunidade tem acesso gratuito à ginástica, zumba, escolinhas de futebol, jiu jitsu, judô, tênis, natação, atletismo, além de outros serviços voltados para a educação, como aulas de reforço, pré-vestibular e até uma escola do Vasco que atende alunos do Ensino Fundamental ao Ensino Médio.

A comunidade também recebe duas vezes por ano o 'Cidadania Vascaína', que reúne em São Januário órgãos como a Defensoria Pública, Detran e Secretaria da Juventude, trazendo diversos serviços para ajudar a comunidade. Segundo Raphael Pulga, Vice-Presidente de História e Responsabilidade Social do Club de Regatas Vasco da Gama, a Clínica da Família, CRAs e a Associações de Moradores se reúnem com o clube para identificar oportunidades de colaboração entre todos para a melhoria dos serviços.

Em uma caminhada pelas vielas da Barreira foi possível ver dezenas de crianças indo ou voltando de alguma atividade esportiva, mesmo no período de férias escolares. Para Vaninha, essa realidade é a motivação que ela precisa para continuar à frente da associação. "Me motiva saber que eu vou ver menos crianças perdidas no mundo. Eu já perdi muita gente por não ter conseguido oferecer oportunidades. Se de um total de 10 crianças e adolescentes eu conseguir salvar uma, para mim já valeu a pena", diz, emocionada.

Esse é o exemplo da estudante de Educação Física, Kaylane Glalce, de 20 anos. "Cria" da Barreira, ela se formou na escola do Vasco da Gama enquanto treinava atletismo nas instalações do clube. A jovem descreve a comunidade como uma mãe que está sempre de braços abertos para acolher quem precisa e oferecer oportunidades. "Eu nunca fui muito desenvolvida para esportes como futebol ou vôlei, mas o Vasco me abriu portas para o atletismo. Conviver naquele ambiente, junto com outros moradores, mudou a minha forma de pensar, de agir, me ensinou o que é ter disciplina", lista Kaylane.

A estudante afirma que o seu maior sonho é se formar em educação física para poder plantar novas sementes de oportunidades. "Eu tenho uma vontade muito grande de criar uma ONG, ou quem sabe uma vila olímpica. Sou muito consciente que daqui eu vim e daqui eu posso sair, mas se eu sair foi porque eu me desenvolvi neste lugar. Quero muito poder retribuir isso para eles", completa.

Vaninha diz que ver jovens como Kaylane compartilhando do mesmo objetivo que ela a faz ter esperanças em um futuro com menos preconceito contra as favelas. "Eu prefiro chamar aqui de favela e não de comunidade. E sim, somos favelados sim, mas não somos bandidos. É isso que as pessoas precisam entender. Nós moramos em um lugar onde ninguém quer te ver fora daqui. Já ouvi muita coisa. Já falaram que o estrangeiro ou brasileiros de outros lugares não podem entrar no Vasco porque a gente mora aqui, por exemplo. Merecemos respeito. Mais do que qualquer pessoa, o favelado merece respeito, pois tudo o que temos é conquista com muita luta", destaca.

A moradora Patrícia Botelho, de 31 anos, conhece bem o tipo de luta que precisa enfrentar para conquistar o seu lugar no mundo e também oferecer oportunidades aos três filhos de 11, 5 e 2 anos. Ela chegou na Barreira em 2016 e encontrou na comunidade um emprego, além de ter inscrito os filhos em atividades físicas dentro do Vasco. Patrícia trabalha como empacotadora em um mercado no entorno do estádio há dois anos, o que facilita a rotina da casa, já que os dois filhos fazem aulas de tênis e futebol no clube.

A moradora Rosani de Souza, de 60 anos, trabalhou há 12 anos em São Januário como auxiliar de serviços gerais e telefonista. Quando ela iniciou um outro emprego, sofreu um acidente e quebrou o punho. Por causa do ocorrido, a moradora está há dois anos sem conseguir fechar a mão. Foi na associação dos moradores que Rosani foi orientada e encaminhada para uma turma de ginástica que funciona dentro da comunidade. "Isso foi um divisor de águas para mim. Hoje eu já consigo encostar meus dedos um no outro, antes eu nem conseguia fechar", celebra.

Economia local

Estimular a economia local também é muito importante para a Barreira, pois muitos moradores possuem comércios nos arredores, ou trabalham como ambulantes nos dias de jogos. Em São Januário, os bares, em sua maioria decorados com o escudo do clube, recebem torcedores do Brasil todo.

A comerciante Silva Moura, de 48 anos, é dona de uma churrascaria que fica localizada a poucos metros do estádio. Na decoração, um bandeirão do Vasco pendurado logo na entrada do estabelecimento, inaugurado há 13 anos. Mesmo não sendo moradora, ela se diz acolhida pela comunidade. "A gente costuma dizer que a Barreira é uma mãe. Chegamos aqui com uma loja pequena e hoje se tornou uma das melhores churrascarias da Barreira, e isso quem diz não somos nós, mas sim os moradores e os torcedores", brinca Silvana.

No entanto, a circulação de torcedores em São Januário será afetada nos próximos anos. Em junho, a prefeitura do Rio de Janeiro aprovou a reforma do estádio, o que significa um fechamento de pelo menos três anos. Mesmo com a medida impactando diretamente a economia local, os comerciantes se mostraram otimistas com o futuro.

"Quando vieram com a proposta, ficamos apreensivos, mas vai ser muito bom para o Vasco e para a Barreira . Acredito que vai melhorar muito, vão vir muitos turistas conhecer o novo estádio, vai se tornar um ponto turístico", estima a comerciante. A ambulante Maria Carolina da Silva, de 27 anos, vende produtos como pano de prato e brinquedos em uma barraca no entorno do estádio. Nos dias de jogos, ela troca a barraca por um carrinho para vender churrasquinho. "A reforma vai ser muito boa para a gente, mas claro que vai também vai prejudicar de certa forma nossas vendas", pontua.

Com a reforma, a capacidade de São Januário passaria para 47.383 pessoas, sendo 32.743 em pé na arquibancada. O presidente do Vasco da Gama, Pedrinho, afirma que o clube tem um plano de inclusão dos moradores da Barreira na obra da reforma de São Januário. O Vice-Presidente de História e Responsabilidade Social do Vasco, Raphael Pulga, conta que um dos projetos é usar a mão de obra das comunidades do entorno na obra do estádio.

"Vamos abrir um cadastro das pessoas que já tenham habilidades para trabalhar na construção civil e daqueles que queiram se capacitar para estar conosco durante todo o processo. Posteriormente, vamos abrir cursos para outras áreas de trabalho no novo São Januário, como historiadores, restauradores e arquivistas", explica.

Ainda segundo Pulga, além das pessoas trabalhando na obra propriamente dita, que já vai gerar vagas de emprego, a comunidade também vai receber pessoas que não frequentam São Januário todos os dias. "Estamos falando do aumento da demanda nos restaurantes e em todos os outros serviços do entorno. Vamos cadastrar fornecedores de quentinhas e dos mais variados serviços e divulgar entre os trabalhadores da obra", finaliza.

Fonte: O Dia Online
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